A escuta como capacidade organizacional

Em nenhum momento no Brasil esteve tão em voga as temáticas ambientais e sociais incidindo com a mesma força na governança. São tempos de ESG e essa convocação já está sendo inegociável para muitas corporações, onde as decisões estão sendo pautadas “no amor, na dor ou na inteligência”.

Partindo do pressuposto que ESG é um processo, você já se perguntou quais seriam as capacidades imprescindíveis para as empresas nessa jornada? Algumas. Uma delas, é a tão falada escuta. A questão é, essa tal de escuta realmente é possível?

Fazendo um paralelo com a condição humana, em circunstâncias biológicas esperadas nascemos escutando. Acontece que esta afirmação engendra uma interrogação: quando paramos de escutar? Moura e Giannella (2016) esclarecem que quando bebês a escuta é feita com o corpo todo e, segundo as autoras, esta performance é perdida no processo de socialização. Logo, a perda da escuta ocorre quando ela é mais necessária, durante a comunicação entre os indivíduos sociais.

Já a escuta como uma capacidade organizacional deveria ser proporcional à maturidade empresarial, porém, por vezes, acontece de forma oposta. Muitas corporações nascem com uma grande capacidade de absorver as informações que estão ao seu redor e as perdem ao longo do tempo.

As atuais tendências do mercado exigem um arrojado modelo de arquitetura
institucional, que perpassa temas complexos e transversais, desde a gestão de conflitos à excelência no relacionamento com stakeholders. Fato é que a atenção ao escutar, apesar de não aparecer de forma tão latente dentro das diversas culturas organizacionais, pode ser tão ou mais estratégica quanto uma boa diretriz econômica.

Então, por que ainda tão pouco considerada ou efetivamente praticada em ambientes coorporativos? A latência do pensamento rígido das organizações como um sistema fechado responde em partes a invisibilidade e ou ausência da escuta nesses contextos. Contudo, as raízes desse distanciamento são mais profundas do que a tendência das empresas às práticas gerenciais pragmáticas.

Nesse sentido, em uma reflexão partindo da analogia voltada ao comportamento das organizações no Brasil, Baldissera e Sólio (2006) destacam a gênese dessaresistência fotografando um país que ainda tem gestores que correspondem ao perfil de “capitão do negócio” e trabalhadores habituados à mordaça.

Paradoxalmente, há uma enorme parcela de gestores que afirmará de forma categórica que possui sim uma escuta ativa e eficaz. Porém, alguns equívocos podem estar sustentados na diferença entre ouvir e de fato escutar. Ouvir é um fenômeno biológico, carregado de especificidades físicas e condições ambientais. Já o escutar está atrelado ao domínio da linguagem na relação com o outro, consigo e com o ambiente, parte da interpretação diante
do processamento da informação.

Sclavi (2003) sugere alguns indicativos de uma escuta qualificada, denominando de “sete regras da arte de escutar”, a saber:

1) Não se apresse em tirar conclusões. As conclusões são a parte mais efêmeras.

2) O que você vê depende da perspectiva em que você se encontra. Para ser capaz de ver outra perspectiva, você precisa mudar sua perspectiva.

3) Se quiser entender o que outra pessoa está dizendo, você deve presumir que ela está certa e pedir-lhe que o ajude a entender como e por quê.

4) As emoções são ferramentas cognitivas fundamentais, se você souber entender sua linguagem. Eles não dizem o que você vê, mas como você vê.

5) Uma pessoa que escuta é uma exploradora de mundos possíveis. Os sinais mais importantes para ela são aqueles que se apresentam à consciência como ao mesmo tempo insignificantes e incômodos, marginais e irritantes porque são inconsistentes com suas próprias certezas.

6) Uma pessoa que escuta aceita de boa vontade os paradoxos do pensamento e da comunicação. Lida com oportunidades de praticar em um campo pelo qual é apaixonado: a gestão criativa dos conflitos.

7) Para se tornar um especialista na arte de escutar, você deve adotar uma
metodologia humorística. Mas quando você aprende, o humor surge por si só.
Assim, em tempos de ESG, a escuta é uma capacidade chave no apoio às corporações no estabelecimento dos fatores materiais nas temáticas ambientais, sociais e de governança, trazendo sinergia entre os desafios e as soluções. Espero que isso não seja surpresa para você.

Autora: Tássia Batista é Relações Públicas com 11 anos de experiência em gestão social e relacionamento institucional. Mestra em administração, tem expertise em escuta organizacional e competência em gestão, ESG e sustentabilidade corporativa. Atualmente coordena a gestão social de um plano de reassentamento (fase pós ocupação) atendendo às políticas de sustentabilidade que abrangem os requisitos especificados nos padrões de
desempenho e diretrizes da IFC (International Finance Corporation).