O Relatório Global sobre Deslocamento Interno 2025 (GRID), produzido pelo Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC), oferece um panorama alarmante, ainda que já familiar, sobre a crescente complexidade e magnitude dos deslocamentos internos no mundo. Apesar da queda no número de novos deslocamentos em 2024, os dados revelam um cenário estrutural de crise que está longe de ser resolvido — marcado por conflitos armados persistentes, desastres ambientais cada vez mais intensos e um evidente fracasso em garantir soluções duráveis para milhões de pessoas.

Deslocamentos internos: números que impressionam

Ao longo de 2024, foram registrados 20,5 milhões de novos deslocamentos internos, uma redução de 43% em relação ao pico de 2022. Contudo, o número de pessoas vivendo em situação de deslocamento interno continua altíssimo, somando 75,9 milhões ao fim do ano — o segundo maior número desde que o IDMC iniciou o monitoramento. Esses dados indicam não apenas a recorrência dos eventos que causam deslocamento, mas sobretudo a incapacidade estrutural de prevenir, mitigar e resolver essas situações.

A maior parte dos deslocamentos ainda ocorre em contextos de crise aguda e prolongada. Conflitos armados, como os do Sudão, República Democrática do Congo (RDC), Ucrânia e Palestina, continuam sendo catalisadores de fluxos massivos. O Sudão, por exemplo, registrou sozinho 6 milhões de deslocamentos em 2024, liderando a lista global.

“O deslocamento interno é onde conflito, pobreza e clima colidem, atingindo com mais força os mais vulneráveis. Esses números mais recentes comprovam que o deslocamento interno não é apenas uma crise humanitária; é um claro desafio político e de desenvolvimento que requer muito mais atenção do que recebe atualmente”, Alexandra Bilak, diretora do IDMC.

Desastres naturais e mudança climática: o outro vetor silencioso

Eventos ambientais causaram 7,7 milhões de novos deslocamentos em 2024 — uma queda de 44% em relação ao ano anterior, mas ainda assim um número expressivo. A diferença estatística não deve ser confundida com uma melhora estrutural. A maior parte desses deslocamentos ocorreu em países da Ásia e do Pacífico, como Filipinas, China, Índia e Bangladesh, afetados por ciclones, enchentes e terremotos.

O Relatório Global sobre Deslocamento Interno alerta para a crescente influência das mudanças climáticas na frequência e intensidade desses eventos. Regiões já vulneráveis socialmente — com alta densidade populacional, urbanização informal e frágil infraestrutura — são particularmente expostas a riscos ambientais. O caso de Bangladesh ilustra bem esse fenômeno: apesar dos avanços em medidas de adaptação, milhões ainda vivem à mercê das águas.

A intersecção entre clima, conflito e desigualdade

Um dos aspectos mais preocupantes apontados pelo GRID 2025 é o entrelaçamento entre deslocamentos forçados, degradação ambiental e desigualdade. A sobreposição de riscos, como desastres em contextos de conflito armado ou deslocamentos múltiplos ao longo do tempo, agrava a vulnerabilidade das populações. Em países como Moçambique, Somália e Mianmar, por exemplo, os ciclones de 2024 atingiram diretamente pessoas previamente deslocadas por guerras ou conflitos locais, dificultando drasticamente seu retorno ou reintegração.

Além disso, muitos deslocamentos são invisibilizados ou subnotificados. Populações indígenas, quilombolas e comunidades rurais afetadas por grandes projetos de infraestrutura ou degradação ambiental raramente são incluídas nos dados oficiais, mesmo sendo vítimas de processos semelhantes de desestruturação social e territorial.

O GRID 2025 também denuncia a falta de avanços concretos em políticas de prevenção e resposta. A maioria dos países não possui estratégias eficazes para enfrentar o deslocamento interno. E mesmo quando há planos nacionais, como os implementados por Bangladesh e Filipinas, falta financiamento, articulação entre diferentes setores e, sobretudo, vontade política.

Esforços internacionais

Por outro lado, a resposta humanitária tem sido majoritariamente emergencial e fragmentada. Embora haja esforços relevantes por parte de organizações internacionais, o relatório aponta que os fundos destinados ao deslocamento interno têm diminuído. Consequentemente, isso pressiona ainda mais sistemas já sobrecarregados. Em particular, em contextos de conflito prolongado, como no Sudão ou na Síria, a escassez de recursos aprofunda uma crise que já é crônica.

Diante desse cenário, o relatório conclui com um chamado à ação urgente: integrar as políticas de deslocamento interno às agendas de desenvolvimento sustentável, adaptação climática e redução de riscos de desastres. Para tanto, são necessários investimentos em sistemas de alerta precoce, planejamento urbano resiliente, acesso à terra e moradia segura e, acima de tudo, o reconhecimento do deslocamento como um fenômeno multidimensional.

Além disso, a criação de soluções duradouras — seja pelo retorno seguro, reassentamento ou integração local — depende da articulação entre governos, sociedade civil e organismos internacionais. Da mesma forma, a inclusão ativa das pessoas deslocadas no desenho dessas políticas é fundamental, respeitando seus direitos e necessidades específicas.

Em síntese, o Relatório Global sobre Deslocamento Interno 2025 (GRID) escancara a realidade de um mundo onde milhões são forçados a viver longe de casa — não por escolha, mas por sobrevivência. Trata-se de uma crise prolongada, multifacetada e amplificada pela injustiça climática. Portanto, a resposta deve estar à altura do desafio: sistêmica, solidária e centrada nas pessoas. Caso contrário, o deslocamento interno continuará sendo não apenas um sintoma, mas também um motor de desigualdade, instabilidade e sofrimento humano.


Fonte:
IDMC (2025). Global Report on Internal Displacement 2025. Internal Displacement Monitoring Centre. https://doi.org/10.55363/IDMC.XTGW2833

Baixe o relatório:

idmc-grid-2025-global-report-on-internal-displacement.pdf

IDEIAS FORM: transformando dados em decisões sustentáveis

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