
Os processos de reintegração de posse são marcados por complexidade, especialmente quando envolvem grupos em situação de vulnerabilidade. Este cenário geralmente traz duas grandes bandeiras que se encontram frente a frente de maneira firme e conflituosa: o direito à propriedade e a preservação dos direitos humanos.
O desafio da transformação da visão para ambos os lados entra em campo e, embora cumprir as leis seja essencial, é importante que as ações sejam conduzidas com empatia, planejamento e respeito aos direitos dos cidadãos envolvidos. Estes, por outro lado, se encontram normalmente em um momento de resistência e muitas vezes de desconhecimento dos ritos relacionados ao processo.
O contexto vivido em diversas ocupações irregulares é regido por lideranças com narrativas convincentes, mas que escondem seus verdadeiros interesses e atos ilícitos. Com perfis autoritários, elas blindam as famílias de forma que não sejam concedidos espaços para a comunicação sem intermediários.
No formato de reintegração de posse humanizada, a transparência é primordial durante o processo, proporcionando um ambiente de compreensão mútua, dando espaço para o entendimento e à formação do senso crítico das pessoas impactadas. Um pilar fundamental para gerar a consciência do processo – o porquê da sua importância, os impactos socioambientais de uma ocupação ilegal – entre outros fatores, reduzindo resistências ou conflitos violentos.
Outro ponto essencial dessa abordagem é a implementação de medidas que minimizem impactos físicos, econômicos e emocionais do coletivo. Entre elas, apoio emergencial, como transporte, acomodações temporárias e assistência financeira, propiciando condições dignas para transição. Além disso, a organização e o registro detalhado das benfeitorias e dos bens pessoais devem ser preservados e devidamente registrados, demonstrando um compromisso genuíno com a responsabilidade social e o respeito aos envolvidos.
Conjuntamente, as instituições envolvidas direta e indiretamente no processo, como conselho tutelar, secretarias de assistência social, órgãos ambientais, equipes de saúde, assistência social e demais profissionais capacitados, têm papel fundamental para viabilizar a promoção da cidadania às pessoas deslocadas. Da mesma forma, o apoio do policiamento, militar e civil, é imprescindível.
Para além do caráter somente cumpridor de decisão judicial, os valores sociais e de preservação dos direitos humanos devem ser compartilhados entre todos que participam da operação.
Um exemplo sobre como o processo de reintegração de posse conduzido de forma humanizada pode ressignificar impactos é um caso emblemático para o time IDEIAS que ocorreu com um idoso abordado durante uma dessas ações no norte do Espírito Santo. Abordado pela equipe de técnicos sociais, apurou-se que ele vivia em situação de rua, sem renda e sem vínculo com familiares devido ao alcoolismo, além de não possuir nenhum documento pessoal. Uma situação degradante, mas infelizmente, mais comum do que se possa imaginar.
A abordagem humanizada não só proporcionou que o senhor fosse acolhido pela rede de apoio social, mas possibilitou a implementação de ações efetivas como regularização e emissão de todos os seus documentos pessoais, inclusão em programas de transferência de renda, aproximação e retomada do vínculo com suas filhas, além de encaminhamento para acompanhamento psicológico, psiquiátrico e medicamentoso.
Quando as reintegrações são conduzidas com um olhar humanizado, conforme citado acima, o processo alcança resultados transformadores e positivos que vão além da mediação de conflitos. Ao aliar planejamento, diálogo e medidas de apoio, essas ações demonstram que é possível cumprir as exigências legais sem negligenciar o cuidado humano, ressignificando impactos, valorizando as comunidades e o território.