
A violência de gênero no Brasil assume múltiplas formas e atinge com mais força os grupos historicamente marginalizados. Mulheres negras, indígenas, pessoas LGBTQIA+, quilombolas e ribeirinhas enfrentam uma combinação de machismo, racismo, LGBTfobia, desigualdade econômica e abandono estatal.
A violência de gênero é mais do que agressão física: inclui abusos psicológicos, sexuais, patrimoniais, virtuais e simbólicos. No Brasil, os dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelam que:
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Em 2023, o país registrou 1.463 feminicídios — 61% das vítimas eram mulheres negras.
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Foram notificadas mais de 256 mil ameaças contra mulheres em contexto doméstico.
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O Brasil permaneceu em 2024 como o país com mais mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ do mundo, com 291 incidentes, um aumento de 8,8% em relação a 2023, egundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB)
Essa realidade é agravada quando falamos de comunidades tradicionais e periféricas, onde há escassez de políticas públicas, dificuldade de acesso a serviços e forte presença de estigmas culturais.
Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares vivem em regiões com baixa presença do Estado e grande vulnerabilidade territorial. Nessas comunidades, as violências de gênero frequentemente se sobrepõem a outras formas de opressão:
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Em áreas indígenas, casos de violência sexual e estupros de meninas têm crescido, especialmente em contextos de invasões ilegais e conflitos por terra, como apontam relatórios da CPI da FUNAI e do MPF.
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Entre comunidades quilombolas, a violência contra mulheres ocorre em meio a disputas fundiárias, exclusão de políticas públicas e racismo estrutural.
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Mulheres ribeirinhas relatam isolamento extremo, dependência econômica e ausência de delegacias ou serviços especializados a dezenas de quilômetros de distância.
Apesar disso, muitas dessas comunidades desenvolvem redes internas de apoio e resistência cultural, com mulheres em papéis de liderança e luta política.
A violência de gênero não pode ser combatida sem o reconhecimento da interseccionalidade — ou seja, a sobreposição de diferentes opressões, como gênero, raça, classe, sexualidade, território e religião.
Mulheres indígenas lésbicas, por exemplo, enfrentam camadas múltiplas de exclusão, e sua vivência raramente é contemplada por políticas públicas padrão. É preciso desenvolver respostas específicas e construídas com a participação dessas populações.
Caminhos possíveis: estratégias para o enfrentamento
Fortalecer políticas públicas com recorte territorial e identitário:
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Garantir delegacias especializadas, centros de referência e atendimento psicossocial adaptados à realidade das comunidades tradicionais e LGBTQIA+.
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Incluir recortes de raça, gênero e orientação sexual em programas sociais.
Apoiar organizações de base:
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Fortalecer coletivos de mulheres indígenas, quilombolas e LGBTQIA+.
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Apoiar financeiramente projetos liderados por essas populações.
Criar redes de apoio comunitário:
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Promover formações para agentes de saúde, lideranças comunitárias e professores(as).
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Estimular a criação de pontos de escuta e acolhimento nas próprias comunidades.
Investir em educação e visibilidade:
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Produzir materiais acessíveis, em línguas indígenas, libras e formatos alternativos.
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Promover campanhas de comunicação antidiscriminatórias.
A violência de gênero em comunidades tradicionais e contra pessoas LGBTQIA+ é uma ferida aberta no tecido social brasileiro. Enfrentá-la exige visibilidade, escuta ativa, investimento real e transformação cultural.
É preciso ir além das estatísticas: ouvir quem está nos territórios, criar soluções com e não para essas populações, e garantir que o direito à vida com dignidade, afeto e liberdade seja real para todos.