Falta de dados compromete proteção a Povos Tradicionais e ao meio ambiente no Brasil, aponta estudo

Um novo relatório da Rede de Observatórios de Segurança revela um cenário preocupante: a ausência de dados confiáveis sobre crimes ambientais e violações contra Povos Tradicionais está comprometendo a defesa de territórios e comunidades em todo o Brasil.

Intitulado “Além da Floresta: conflitos socioambientais e desertos de informação”, o estudo destaca que os conflitos não ocorrem apenas em florestas ou biomas preservados, mas se concentram, sobretudo, nas periferias, margens e zonas de vulnerabilidade social, tanto em áreas urbanas quanto rurais.

Desertos de informação e invisibilidade como violência

De acordo com o levantamento, cerca de 13% da população brasileira vive em cidades sem qualquer cobertura jornalística, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Esse apagão informativo dificulta o acompanhamento de violações, a responsabilização dos agressores e a luta por justiça socioambiental.

“Não é possível que, diante do atual grau de destruição ambiental no Brasil, ainda não tenhamos estatísticas oficiais robustas”, alerta Sílvia Ramos, cientista social e coordenadora da Rede de Observatórios.

Mais de 41 mil crimes ambientais — mas os dados são frágeis

Com base em pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), a pesquisa identificou 41.203 crimes ambientais entre 2023 e 2024. Destes, 70% se referem a danos à fauna e flora. Apesar disso, os números são considerados incompletos e pouco representativos da realidade, por diversos motivos:

  • Ausência de padronização entre os órgãos estaduais;

  • Limitações da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que não contempla violações contra Comunidades Tradicionais;

  • Falta de registros de conflitos fundiários, despejos e ameaças a líderes comunitários.

O resultado é a subnotificação de casos, que agrava a vulnerabilidade de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades extrativistas.

Mulheres indígenas e quilombolas: alvos invisibilizados

Outro dado alarmante revelado pelo relatório é que apenas 1,2% dos conflitos socioambientais são noticiados pela imprensa. As mulheres quilombolas, em especial, são as mais invisibilizadas, apesar de estarem na linha de frente contra a urbanização predatória e os impactos do agronegócio.

Segundo o Jornal do Sertão, 60% dos crimes contra indígenas registrados entre 2023 e 2024 tiveram como alvo mulheres — uma intersecção entre violência de gênero e ambiental que ainda recebe pouca atenção pública.

Estados com melhores e piores indicadores de transparência

  • Pará (sede da COP30) destacou-se por fornecer dados detalhados, mesmo sem tipificações específicas na legislação, como homicídios relacionados a grilagem, invasão de território e coação.

  • Piauí e Pernambuco também apresentaram dados semelhantes, apesar das limitações.

  • Pernambuco teve a maior queda percentual de crimes ambientais (32%) entre 2023 e 2024, mas registrou apenas dois conflitos socioambientais — indício claro de subnotificação.

Conclusão: dados são ferramentas de justiça

A escassez de dados sobre crimes ambientais e violações contra Povos Tradicionais reforça um ciclo de invisibilidade, impunidade e abandono. Sem informações confiáveis, não há políticas públicas eficazes, nem justiça ambiental.

Para romper com essa lógica, o relatório recomenda:

  • Fortalecimento dos sistemas de monitoramento e registro;

  • Inclusão de conflitos fundiários e sociais na legislação ambiental;

  • Cobertura midiática descentralizada e com enfoque em justiça climática.

O Ideias tem acompanhado de perto os principais debates socioambientais que vão moldar o futuro da justiça climática no Brasil e no mundo. Acompanhe nossas publicações e siga construindo conosco um futuro mais justo e sustentável para todos.

Fonte: ClimaInfo